O naturalismo e a classificação do espaço indígena



"Passamos em revista o raciocínio sobre o Naturalismo, pois entendemos que tal concepção fez parte, no século XIX, da compreensão do espaço material indígena, esta abordagem inclui o comportamento de uma elite distinta e empreendedora, a qual nos oferece pistas de como este grupo ocidental passou a encarar o novo espaço, que no futuro seria a cidade de Itajaí. Sabemos que a abordagem sobre o espaço material indígena não foi apenas no meio não - humano, mas como queremos ressaltar um projeto que lançou interesses sobre o comportamento indígena e que tem suas bases nas fundamentações ideológicas do não - índio.

Consideramos a proposta científica do século XIX como o momento de consolidação da ciência, ao contrário do que acontecia nos séculos do Renascimento e Iluminismo, quando as respostas para os fenômenos naturais poderiam ser encontradas na ciência metodológica e experimental, apenas como alternativa às propostas da religião. A partir do século XIX, isto muda pois agora a ciência passa a interferir diretamente sobre a natureza e a determinar “melhores” condições de vida e comportamento para a sociedade. A ciência passa a significar, idealizar e construir o mundo; toma o lugar de crendice da religião e passa a promover a sua própria.

Ora, há vários aspectos deste novo significar, envolvendo classificação do que nomearam como natural, há uma preocupação em mudar o que aparentemente é para eles o caos, acontece uma mudança na composição física das terras, passa haver uma divisão em lotes que se estabelecem em propriedades documentadas e privadas aí então a estética. Percebe-se um enaltecimento e depreciação de animais, a dualidade está presente, é possível controlar, reter e dominar a natureza. Fica claro uma preocupação em nomear, um interesse em organizar, em pôr cada coisa em seu devido lugar. Se para a maioria deles o natural é obra de Deus, cabe ao homem racional e civilizado a criação do artificial. Não só as terras, mas tudo que compõe o meio ecológico sofre esta intromissão, inclusive o grupo indígena.

É um momento em que os homens distintos e controlados pela ciência procuram desvendar todos os mistérios do mundo, explorando de modo científico o universo a sua volta. Surge na área das ciências naturais Charles Robert Darwin
(1809-1882), um eminente cientista que propôs novas concepções teóricas para a origem humana; “(...) há uma lei geral, que conduz ao aperfeiçoamento de todos os seres orgânicos multiplicar-se, variar, permitir que os mais fortes vivam e deixar que os mais fracos pereçam.” Ou “Estou convencido de que a seleção natural tem sido o meio principal de modificação, embora não o único.”Suas idéias foram apropriadas por muitos pensadores e políticos europeus do século XIX, inclusive por muitos residentes no Brasil, para justificar uma interpretação errônea, “racista” e de eliminação física, um acelerar do projeto evolutivo.

Como queria o filósofo inglês H. Spencer, teórico do “darwinismo social”, uma aberração da Teoria da Evolução de Darwin, aplicada de forma rápida pelo imperialismo, foi utilizada como justificativa de morte aos povos africanos, asiáticos e americanos. Como ele mesmo diz: “Minhas conclusões têm sido
ultimamente muito mal interpretadas.” Darwin mantinha um intercâmbio de correspondências com Fritz Müller (1822-1897), pesquisador das ciências naturais, residente em Blumenau, inclusive mandando onze cartas de Itajaí para Down, Barmouth, Haredene (Alemanha) entre 17 de julho de 1867 até 25 de dezembro de 1875, nos quais observava os aspectos “naturais” de Itajaí, principalmente a faixa litorânea, o que reforça o entendimento sobre a circulação das idéias de Darwin em Itajaí, pensamentos de espírito evolucionista.

Fritz Müller também mantinha contato com Ernst Heinrich Haeckel (1834-1919), médico e zoólogo, o qual escreveu “Os Mistérios do Universo”, primeiro naturalista a desenhar a árvore genealógica da vida animal, amigo de Darwin e Muller. Em uma carta a sua irmã Rosa ele comenta: “(...)fiz surgir do caos de troncos e galhos seculares, as roças que avisto desta eminência(...).” O que justifica o eurocentrismo Rankeano, a terra, é o caos, o que há nela tem de ser organizado. Para que a roça possa surgir, a mata tem de tombar, mas não só ela, os que vivem ali também, enfim, é uma época onde a pretensão dos homens eruditos está ou permanece preocupada no decifrar a natureza, algo também constituído e visualizado por eles. A própria conotação sobre o que é natural passa por uma concepção humanista e artificial do mundo. Em uma carta enviada de Itajaí, no natal de 1875, para Darwin, Müller assim expõe algumas experiências interessantes sobre a visão naturalista:

Meu caro senhor, Em desterro me encontrei com dois jovens senhores (M. Charles Wiener, de Paris e M. Carl Schreiner, do Museu Nacional do Rio) os quais por ordem do governo brasileiro estiveram examinando os sambaquis de nossa província. Eu os acompanhei em algumas de suas excursões (...) Os fragmentos de crânios humanos (...) eram de espessura verdadeiramente impressionantes, enquanto que aqueles que tenho visto (...) dificilmente são mais espessos que o nosso próprio. Entre as ferramentas que são encontradas (...) os machados de pedra, são de longe, os mais freqüentes.

Neste trecho, pode-se bem perceber o papel dos projetos governistas, por meio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, já tratados aqui enquanto relacionados com a política indígena. O fragmento denota uma extensa preocupação científica na exploração racional do ambiente, entretanto notamos a comparação provavelmente depreciativa dos fragmentos de crânio. É bom deixar claro que há sempre uma referência aos antigos habitantes da região, não os indígenas, lembramo-nos então as teorizações de Varnhagen nas quais os indígenas deveriam morrer, porque a sua chegada no Brasil teria destruído antigos habitantes. Esta desconexão indígenas antigos habitantes é peculiar, pois mais de uma vez visualizamos as comparações do passado brasileiro com povos que se aproximam de uma “pré-história” européia.

O ideal naturalista no ambiente pode ser notado em diversos documentos, como esta circular do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e obras Públicas, enviada do Rio de Janeiro, para o Presidente da Província em Santa Catarina:

Sendo objeto de estudo o conhecimento / da origem das raças humanas espe-/ cialmente da procedencia dos indige-/ nas brasileiros, convindo estabelecer a / comparação entre os utensilios da ( ilegível ) são escuras e os mais usados pelos / nossos aborigenes no intuito de verificar-se / si as analogias etnographicas (sic) / as affinidades idiomographicas que mo-/dernos escriptores hão notados entre esses dois / povos; recomendo a V. Exa. que, por inter-/medio dos engenheiros em serviço nessa / Provincia ou de qualquer que se/ achem em condições de desempenhar tal / incumbencia, trate de obter enviar ao / ministério a meu cargo os vasos indigenas / que seja possível encontrar ahi, cujas for-/mas e natureza não participem de modo / algum do contacto da civilisação; sen-/do necessário que provenhão, ou de escravidão / de antigas tabas e cavernas ou de al-/ guma das tribus brancas e nomades ainda existentes.

A mesma apreensão do botânico Muller, não há como negar a gigantesca influência do livro A Origem das Espécies, publicado em 1859, e novamente a preocupação com a origem da vida, de onde descenderam os indígenas, as comparações de língua, Egito x Inca ou com a “arte”rupestre no Brasil, apresentam-se em várias publicações. Para este trabalho é necessário ressaltar que tal inquietação ocasionou um deslocamento, que saiu do problema indígena para um dos pilares da sociedade ocidental, a problematização do espaço e seu passado. Há nesta questão, além do deslocamento, uma “vontade de verdade”, tantas vezes
criticada por Neitzsche.

Tal crença central no naturalismo impulsionou a
universalização do conhecimento; separando, observando, classificando, renomeando tudo com radicais gregos e latinos, princípio este eminentemente renascentista. Outras cartas mostram a ansiedade de ressignificar a flora:

(...) convem / tratar das plantas indigenas que podem / ser utilizadas, quer na industria quer/ nas applicações medicinais, devendo / em qualquer dos casos enviar exempla-/res de cada uma contendo folhas com / o caule ou tronco, flores ou fructos, afim / de poderem ser estudadas, classifica-/das e proceder-se as analyses clinnicas / convenientes. (...)Tenho a honra / de passar ás mãos de V. Exª, á fim de se- / REM enviadas aos jardins de aclima- / ção da Europa e plantadas em algu-/ ma região elevada das visinhanças / dessa Côrte, inclusas sementes
de / plantas indigenas desta Província (...)/.

Tudo passa a ter um novo significado, um sentido talvez seja melhor dizer. O naturalismo pode ser encarado como a ciência da utilidade, ele apresenta, sem dúvida, um princípio religioso, que envolve a criação do mundo material pela divindade cristã e que as coisas deste mundo foram criadas para servir a “humanidade”, cabendo então aos homens de ciência descobrir tais coisas. Também uma utilidade do capitalismo, as plantas indígenas passam por um estranho processo, são desfiguradas, estudadas, classificadas, analisadas clinicamente, têm seu estudo medicinal voltado à indústria ou aos princípios empreendedores do capitalismo do século XIX. Outros sentidos aparecem na segunda carta, arrancadas do meio, ganham nova utilidade, são exóticas ou usadas para ornamentação.
[...]

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Fonte:
CHRISTIANO SCHAUFFERT DE AMORIM ARQUITETURA DO SILÊNCIO: O INDÍGENA NA ESCRITA, RELAÇÕES DE CIVILIZAÇÃO E EXTERMÍNIO Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História (História Cultural), curso de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora: Prof. Drª Ana Lúcia Vulfe Nötzold Florianópolis 2002

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Disponível digitalmente no site: Domínio Público

2 comentários:

  1. NÃO ENTENDI NO TESTO, DIZ O NATURALISMO E CLASSIFICAÇÃO DO ESPAÇO INDIGINA. (GUANDO ÊLE CHEGOU) (AQUI, ONDE EM NA TERRA DE SANTA CRUZ)

    ROSADOSVENTOS.PROA@GMAIL.COM

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  2. NÃO ENTENDI, NO TESTO GUANDO SE LÊ O NATURALISMO E A CLASSIFICAÇÃO DO ESPAÇO INDIGINA,ENTENDE - SE QUE OS INDIOS INVADIRAM O INVADIRAM O TERRITORIO TERRA DE SANTA CRUZ,
    QUEIRA A GENTILEZA, RESPONDER!!!???

    EDMILDO CIRILO DOS SANTOS

    ROSADOSVENTOS.PROA@GMAIL.COM

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