A paranóia anticomunista norte-americana



"É neste cenário, povoado de apreensões, que emerge a figura do Senador Joseph McCarthy. Até 1947, data em que chegou ao Senado, McCarthy teve uma carreira política inexpressiva, porém, oportunista, aproveitou-se da questão comunista para projetar- se politicamente: “Em 1950, McCarthy fez suas primeiras aparições e Alger Hiss foi condenado. O palco estava pronto para a encenação de terror do macartismo. Em março de 1951 os Rosenbergs foram condenados à morte, e o Comitê começou uma nova série de audiências para Hollywood.”

A indústria cinematográfica
foi alvo da investigação do Comitê da Câmara contra Atividades Antiamericanas, presidido pelo senador. Conhecidos artistas e produtores de Hollywood sofreram constrangimentos, processos e condenações, tendo sua vida pessoal e profissional arruinadas. Os anticomunistas temiam que o cinema estivesse sendo utilizado com fins políticos, quer dizer, como propaganda pró-soviética. Um determinado filme produzido no ano de 1944, Canção da Rússia, incomodou o Comitê sobremaneira. Foi chamada uma perita [censora] em filmes, que identificou o “pecado” da película: exibia russos sorrindo, o que foi interpretado como parte do esforço da propaganda comunista. Achamos interessante reproduzir esta passagem do diálogo entre a perita e o integrante da comissão:

Comissão: - Ninguém sorri na Rússia?
Perita: - Se a pergunta é literal, a resposta é: quase ninguém.
Comissão: - Eles nunca sorriem
Perita: - Não assim. Se acaso sorriem, é na intimidade e por acidente. Não se trata de um ato social. Não sorriem em aprovação ao sistema.

A perseguição empreendida por McCarthy não se ateve somente a políticos ou pessoas que ocupavam cargos públicos, ou mesmo e a prováveis ou confessos comunistas, ela estendeu-se a toda sociedade americana e incluía intelectuais, escritores, artistas, cineastas e pessoas comuns, mostrando os efeitos ruinosos dos radicalismos sob qualquer “bandeira”.

Causou estranheza não encontrarmos em Seleções, neste período, nenhum texto de autoria do próprio Senador McCarthy, devido à campanha anticomunista que empreendeu e a projeção que alcançou. Porém, deparamo-nos com dois artigos que comentavam sobre o Senador e sua campanha anticomunista: um, de aprovação, e outro, de censura. Os artigos foram publicados respectivamente, em maio de 1955 e novembro de 1956. Ambos não eram dirigidos a McCarthy, mas no desenrolar do texto, apareciam referências ao seu nome. No primeiro, o autor escrevia que era infundado, tanto nos Estados Unidos quanto no estrangeiro, o pensamento “de que êle instilou o mêdo das idéias na mente e no coração de todos americanos” e reprovava a atitude de inúmeros antimcarthystas americanos que “abrem a bôca para proclamar ao mundo que McCarthy lhes fechou a boca”. Tanto não era verdade que os periódicos de esquerda continuavam em circulação, inclusive o jornal comunista de Nova York, o Daily Worker. E concluía: “O mêdo exagerado de McCarthy
é tão maléfico quanto ao medo exagerado da propaganda comunista”. No segundo artigo, com o título As Antipatias de Eisenhower, outro autor afirmava: “Ike não gosta de extremistas”. Descrevia o ex-presidente como uma pessoa conciliadora e de bom senso, acrescentando que não foi a oposição de McCarthy a Eisenhower que teria provocado a antipatia do presidente pelo senador, mas sua atitude extremada em relação ao comunismo, que poderia colocar em risco os esforços do governo americano pela paz mundial.

Rodrigo Patto Sá Motta, em seu livro, Em Guarda Contra o Perigo Vermelho, em diversas oportunidades chama a atenção para o fato de que, apesar do caráter manipulador da campanha anticomunista, a ameaça comunista era uma realidade: “Sem nenhuma dúvida, havia anticomunistas convictos, indivíduos que realmente acreditavam na existência do perigo e agiam em consonância com esta crença”.
Dentro do amplo leque de representações que compõe o imaginário anticomunista, não podemos esquecer que o imaginário tem um amparo no real. No que se refere à União Soviética, sabemos que as atrocidades e arbitrariedades cometidas por Stálin durante seu governo não foram fatos inventados, mas reais. Porém, os anticomunistas representaram seus inimigos de maneira deformada e muitas vezes grotesca, depreciativa, com a clara intenção de prejudicar a imagem dos comunistas, impingindo, desta forma, descrédito à doutrina socialista.

Necessário se faz reiterar a relevância do papel da imprensa na construção de um imaginário negativo a respeito dos comunistas. Na relação sujeito narrador e leitor, o jornalista é visto como alguém que detém o conhecimento “se investe e é investido pelo leitor como aquele que sabe”. Portanto, quem escreve usufrui uma posição privilegiada para influenciar o leitor, pois este busca em seus escritos uma complementação de saber.

Na prática discursiva de Seleções, a imagem negativa dos comunistas/comunismo era constantemente veiculada e reforçada por esta repetição constante. Tal regularidade
enunciativa “atuava como um discurso pedagógico em sua forma mais autoritária”. Em consonância com o discurso em voga, a revista descrevia os comunistas como a personificação do mal, o demônio com todos os seus atributos. E o mais grave: atingia a moral cristã, admitindo o divórcio, o amor livre e o aborto, o que era entendido como um incitamento à dissolução da instituição familiar, como demonstravam as afirmações a seguir: “A revolução socialista de outubro [1917] aboliu a desigualdade política, jurídica e econômica da mulher, mas houve quem interpretasse erroneamente essa liberdade [...] Numa sociedade estritamente socialista, tal prática conduz a um relaxamento de costumes indigno do homem, suscita problemas pessoais, infelicidade e dissolução da família”. Sem mencionar o desrespeito à livre economia e à propriedade privada, baluartes do sistema capitalista. A União Soviética era significada como sinônimo de comunismo, portanto, centro irradiador do mal. Deste modo, “o comunismo deixa de ser um conceito político para tornar-se a imagem de um país”. Esquadrinhando os diversos artigos da revista sobre o tema, achamos que merece destaque o excerto abaixo, retirado da edição de agosto de 1952, por sintetizar o imaginário sobre o comunismo soviético:

A conquista da Europa satélite pelos comunistas é uma advertência final ao Ocidente: é assim que o comunismo soviético se infiltra e solapa; é assim que êle trai e contamina; é assim que domina os governos; é assim que êle escraviza e aniquila povos; que êle deturpa o patriotismo, a lealdade familial, a integridade pessoal e a moralidade; que mutila espíritos
e envenena corações; que junge todos os recursos humanos e materiais de uma nação aos objetos do estado escravizante. É assim que o comunismo se expande, domina e se perpetua.

A demonização do comunismo, adotada pela grande imprensa, era de uso corrente
em Seleções. A luta entre socialismo e capitalismo passou a representar a luta do bem contra o mal, o embate entre Deus e o diabo. O demônio era sedutor, astuto, sorrateiro, insidioso, envolvia suas vítimas inocentes com mentiras e falsas promessas. Era assim que o comunismo agia com suas vítimas, iludindo-as com falsas promessas de igualdade para depois escravizá-las: “Mais de um bilhão de pessoas, metade da população do mundo, são vulneráveis à sedução comunista”, afirmava o artigo. O comunismo era perigoso, contagioso como uma doença: A doença é um mal, mas a pior de tôdas as doenças é o comunismo. A própria Rússia era um gigante enfermo”.

Motta chama atenção para o fato de que, ao comparar o comunismo a doenças, a intenção era mostrar que os comunistas só poderiam ser doentes. Certamente, pessoas
saudáveis, em plena sanidade, não adotariam o comunismo como credo. Ele também aponta para denominações ligadas a animais, como aranha, polvo, etc., que pretendiam representar o projeto comunista de dominação mundial. Nesta analogia, o comunismo, com suas teias e tentáculos, urdia silenciosamente uma cilada para os povos incautos. Em Seleções encontramos estas referências aos comunistas agregadas de outros significados, como brutalidade e incivilidade (os grifos são nossos): “Uma prova trágica de seu bestial procedimento”. “No entanto, êles foram engolidos por uma jibóia tremendamente insidiosa e insaciavelmente faminta (o comunismo). O Estado Comunista gera informantes como as larvas de môscas proliferam numa vala comum”. “Sob a touca de avozinha recentemente enfiada pelo Kremlin, poderíamos ver então os olhos ávidos e os dentes afiados do lobo”.“Esta única mão diretora pertencia a um bandido baixo e corpulento, cabeça de gorila [...] antigo conspirador subterrâneo vermelho”. “O suíno mais cruel e oportunista em tôda aquela imundície [...] ocupava o posto de verdugo-mor; como chefe da KGB”.

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Fonte:
LENITA JACIRA FARIAS RAAD ... denunciando os males do comunismo” : o anticomunismo na revista Seleções Reader´s Digest - 1950-1960 (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Joana Maria Pedro). Florianópolis, 2005.

Nota
:
A imagem (Live Journal) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Disponível digitalmente no site: Domínio Público

3 comentários:

  1. Foi muito gratificante encontrar trecho de minha dissertação aqui reproduzido e divulgado. Também me deliciei que várias leituras interessantes. Continue com este belo trabalho.
    Agradeço ao amigo blogueiro.
    Lenita Raad

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    1. Caríssima Lenita,
      É uma enorme satisfação divulgar em nosso blog um pouco do seu belo trabalho!
      Obrigado!

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  2. comunismo=fascismo
    comunismo=fascismo=nazismo=racismo

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