José Bonifácio: Biografia de 1868


O texto a seguir é uma biografia do patriarca José Bonifácio, escrito no remoto ano de 1868, e está disponível no belíssimo site da Biblioteca Brasiliana, conforme referência ao fim da postagem.

A figura de José Bonifácio no Monumento da Independência, de autoria do escultor Ettore Ximenez, que se ergueu nos anos 20 na "Colina do Ipiranga", em São Paulo

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

Nasceu em Santos a 13 de Junho de 1763; e depois de aprender ali, e em S. Paulo, alguns preparatórios, veio ao Rio de Janeiro na idade de 17 anos para ir á Coimbra concluir seus estudos na universidade, onde tomou no fim de seis anos o grau de bacharel nas faculdades de filosofia natural e de direito.
Retirado a Lisboa para seguir os lugares literários, foi eleito pelo governo , e proposta da academia real das ciências, de que era sócio, para viajar a Europa como naturalista e metalurgista. Escreveu diversas memórias, e entre elas uma sobre a pesca da baleia, sobre os melhores processos para a preparação de seu azeite, e sobre as vantagens de animar e favorecer as pescarias nas costas do Brasil.
Casou-se em Lisboa com D. Narcisa Emilia de Olearj, de quem teve três filhos.
Em Junho de 1790 deixou as praias portuguesas, e peregrinou, por espaço de dez anos e três meses, pela França — Alemanha — -Bélgica — Holanda — tália — Hungria — Boêmia — Suécia — Noruega — Dinamarca — e Turquia.
Adquiriu a amizade e estima de muitos monarcas, e dos principais sábios de então, foi recebido membro das principiais sociedades literárias e científicas, escreveu memórias de importância imensa, e, além das lições de ilustres professores da Europa, observou por si mesmo a própria natureza, os primeiros estabelecimentos metalúrgicos de cada país, e o estado das ciências naturais em todos eles.
Na sociedade, de historia natural de Paris leu um trabalho sobre a historia dos diamantes do Brasil, que foi publicado nos Annaes da chimica de Fourcroy. Escreveu em alemão uma carta ao engenheiro Bejer, inspetor das, minas de Schneeberg, descrevendo os caracteres distintivos de doze novos minerais por ele descobertos na Suécia e Noruega, e escreveu algumas memórias sobre diversas minas da Suécia.
Em 1794 percorrendo a Itália, escreveu uma memória atribuindo á origem vulcânica a rocha, que fôrma os outeiros Euganeos no território de Pádua, e escreveu no mesmo ano um trabalho sobre o fluido elétrico. No meio das numerosas ocupações científicas, consagrava José Bonifácio também alguns momentos ao culto das musas, e da literatura.
Depois de ter deixado o seu nome celebre no mundo científico, Andrada recolheu-se a Portugal em Setembro de 1800, sendo logo nomeado intendente geral das minas, desembargador da relação do Porto, e professor em Coimbra de geognesia,. e metalurgia, conferindo-lhe a faculdade, por graça especial, o titulo de doutor em filosofia natural, visto haver impossibilidade de poder funcionar nela, sendo simplesmente bacharel formado. Fez uma viagem minerográfica, em companhia de seu ilustre irmão Martim Francisco, e do tenente-general Napion, pela província da Estremadura até Coimbra, descrevendo os principiais minerais ali encontrados, a natureza dos terrenos por onde transitou, e o estado de agricultura.
Foi encarregado do encanamento de Mondego, e em 1802 de dirigir as sementeiras e plantações nos areais das costas.
Quando sobreveio a invasão francesa em Portugal, Andrada não só mandou das ferrarias de Thomar, onde se achava, armas e espingardas para ajudar os bravos Conimbricenses, mas até alistou-se no batalhão acadêmico formado com estudantes da universidade, prestando como major, e depois como tenente-coronel, relevantes serviços á causa portuguesa.
Expulsos os Franceses, foi nomeado intendente da pólvora do Porto, emprego que exerceu com tanta dignidade e energia, que salvou muitas vidas e bens dos Portugueses, que passavam então por afrancesados. Tal reputação grangeouna academia de Lisboa, que em 1812 foi eleito unanimemente seu secretario perpetuo, lugar que exerceu com muita dignidade durante sete anos. Cansado de vida tão agitada, e saudoso do país natal, obteve do governo licença para voltar á sua pátria, e em 1819 deixou as praias portuguesas.
Chegado ao Rio de Janeiro, o governo de D. João VI o quis de novo empregar, porém tudo recusou, manifestando querer terminar em sossego os dias na sua vila natal; e quando ele, e seu irmão Martim, foram despedir-se do monarca na sua partida para Santos, este novamente instou José Bonifácio para que ao menos aceitasse o lugar de diretor da universidade, que então se projetava criar no Brasil, ao que ele disse que responderia de Santos.
Recolhido àquela vila com o titulo de conselheiro, foi habitar o seu sitio chamado dos Outeirinhos. Ele e seu irmão, em Março de 1820, pouco depois da sua chegada, fizeram uma excursão montanística em parte da província de S. Paulo para determinar os terrenos auríferos, trabalho que foi impresso no Journal âes mines, e que provou ser a província riquíssima em minas de ferro de imensas variedades.
O que vai dito bastaria para imortalizar José Bonifácio; porém a maior gloria, gloria a que pôde aspirar um mortal, ele também a teve ; foi um dos colaboradores principias da independência do Brasil.
Unindo sua voz á de outros Brasileiros, dirigiu ele a memorável representação, que decidiu o príncipe a ficar entre nós, com o que começou-se a edificar os primeiros alicerces do.Império de Santa Cruz.
O príncipe pede a Andrada que o venha ajudar, que venha salvar o Brasil, e Andrada deixa seu retiro, e voa ao Rio de Janeiro para tomar parte nos negócios políticos.
Sabe-se do elétrico grito de Independência ou morte solto no memorável campo do Ipiranga, e que; de 7 de Setembro de 1822 data a nossa independência. Do primeiro ministério, que teve o império brasileiro, faziam parte Andrada e seu irmão Martim, ministério que restabeleceu o credito da fazenda publica, que criou exercito e armada, que bateu os inimigos de sua pátria por mar e por terra em diversas províncias; ao mesmo tempo tomava Andrada parte nos debates da assembléia constituinte, de que era membro por eleição de seus comprovincianos.
Dirigiu José Bonifácio os primeiros passos do imortal Pedro I; foi quem o fez aclamar imperador do Brasil, quem fez calar tantos partidos e tantas ambições ; quem firmou enfim a independência de seu país, dirigindo a nau com mão forte e enérgica.
Entretanto José Bonifácio, vítima da intriga, vê-se, como Aristides e Sêneca, afastado do monarca, e desterrado por ordem do mesmo príncipe tão seu amigo, mas tão enganado.
Esteve expatriado em França com seus dois irmãos, e outros deputados, entre eles o Sr. Montezuma, por espaço de sete anos, no 6m dos quais, em 1829, voltou ao Brasil, porém já muito avançado em idade e aflito pela perda de uma esposa querida. O nobre velho é bem recebido pelo imperador, e a assembléia geral vota-lhe uma pensão anual de quatro contos de réis.
Foi habitar a ilha de Paquetá, mas de seu repouso foi tirado com os acontecimentos de 7 de Abril. D. Pedro abdica a coroa, mas nomeia por tutor de seus filhos a José Bonifácio, resolvido a deixá-los entre nós. Assim salvou o Brasil segunda vez, aceitando tão precioso deposito, do qual tratou com o maior cuidado até a hora de sua morte, que teve lugar em 6 de Abril de 1838.
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Fonte:
Selecta brasiliense ou noticias, descobertas, observações, factos e curiosidades em relação aos homens, à historia e cousas do Brasil. Vasconcelos, J. M. P. (José Marcelino Pereira de), 1821-1874, disponível digitalmente no site da biblioteca: Brasiliana - USP
Nota:
Para melhor compreensão do texto, a ortografia da época foi atualizada para os padrões atuais.
Fonte da imagem:
Revista "A Cigarra", edição de 1922, disponível digitalmente no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo

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