"Os instintos são características físicas, materiais, que podem ser herdadas e submetidas às mesmas leis naturais que os caracteres morfológicos dos corpos viventes. Fica claro que, à semelhança de Lamarck e Spencer, Darwin expande sua visão de mundo materialista para o fenômeno mental: por entendê-lo como um caráter importante das espécies, conseqüentemente também o vê submetido à evolução biológica. Esta é a mesma linha de raciocínio de Guedes Cabral. A conseqüência deste traço evolutivo nos fenômenos mentais é a implosão da idéia de uma diferença qualitativa entre a mente humana e aquela dos animais, e a diferença passa a ser de grau, não de tipo. Ao falar da linguagem Darwin explicita este pensamento:
Diversos escritores [...] ultimamente têm insistido no fato de que o uso da linguagem implica o poder de formular conceitos gerais e que, de vez que se supõe que nenhum animal possui esta capacidade, se forma uma barreira impossível entre eles e o homem. Com respeito aos animais, já procurei demonstrar que os mesmos possuem esta faculdade, muito embora num nível rude e primordial (DARWIN, 1982 [1871], p.110).
Se a atividade mental é oriunda da matéria, e esta evolui por meios naturais, então o comportamento social humano também pode ser entendido sob um viés evolucionista. Embora admitam premissas e conclusões totalmente diferentes, Spencer e Darwin parecem endossar a mesma lógica: numa realidade compreendida pelo viés materialista, é perfeitamente cabível que os fenômenos sociais, extensão da matéria em última instância, sejam regidos pelas mesmas leis naturais aplicadas às espécies biológicas. Desta forma, assim como a seleção natural é o mecanismo chave para a compreensão das diferenças morfológicas entre as espécies, ela também deve ser usada para a compreensão das estruturas sociais, tanto animais quanto humanas. Numa genealogia da sociedade, Darwin observa como esta pode ter surgido a partir dos animais inferiores:
Tem sido muitas vezes afirmado que os animais em primeiro lugar se tornaram sociais e conseqüentemente experimentaram dor pela separação e alegria diante da associação; mas é mais provável que estas sensações tenham sido as primeiras a se desenvolverem, de modo que aqueles animais que tivessem auferido vantagem da vida em sociedade tivessem sido levados a viver juntos [...]. Na sociedade o sentimento de prazer constitui provavelmente uma extensão dos afetos para com os pais e os filhos, visto que o instinto social parece ter surgido em conseqüência da diuturna permanência dos jovens com os pais e esta extensão pode ser atribuída em parte ao hábito, mas principalmente à seleção natural. Para aqueles animais que foram superados pela vivência numa associação, os indivíduos que auferiram o maior prazer da vida em sociedade teriam sido mais felizardos em escapar dos vários perigos, enquanto que aqueles que menos cuidavam dos seus companheiros e vivam solitários teriam perecido em maior número (DARWIN, 1982 [1871], p.129-130).
Como corolário da citação acima, a estrutura moral das sociedades humanas também se deve a uma base material. O nível moral que alcançamos hoje se explica pelo desenvolvimento de nossa sociedade e da forma como esta direcionou seus valores, tendo assim uma natureza contingente.
A natureza moral do homem atingiu seu nível atual em parte pelo progresso de suas faculdades raciocinantes e, conseqüentemente, da opinião pública certa, mas sobretudo pelo fato de que as suas simpatias se tornaram mais dúcteis e mais difusas como efeito do uso, do exemplo, da instrução e da reflexão. Não é improvável que, depois de uma longa prática, as tendências virtuosas possam tornar-se hereditárias. Entre as raças mais civilizadas, a convicção da existência de um Deus onisciente exerceu uma forte influência no progresso da moralidade. Por fim o homem não aceitou o elogio ou a censura dos seus semelhantes como um único guia, embora poucos evitem esta influência, mas as suas convicções habituais, controladas pela razão, lhe ofereceram a lei mais segura. Então sua consciência se torna juiz e guia supremo. Apesar disso, o primeiro fundamento ou origem do senso moral reside nos instintos sociais [...], e esses instintos, como no caso dos animais inferiores, foram adquiridos inicialmente com a seleção natural (DARWIN, 1982 [1871], p.704-705).
A admissão do surgimento da moral por contingência implicou críticas ferozes ao Descent of Man (1871) (MAYR, 1998; DESMOND & MOORE, 2001). Após haver “destronado Deus”, explicando a vida de uma forma puramente natural e materialista, Darwin parecia ter atacado também, desta vez diretamente, a idéia de um valor absoluto, minando qualquer autoridade baseada nos critérios eternos do certo e do errado – minando, portanto, qualquer autoridade baseada em valores eclesiásticos, como a própria sociedade inglesa contemporânea. Engessada por legitimação divina, a Inglaterra de Darwin, onde cada um ocupava seu lugar perfeitamente determinado por Deus e, por isso, inalterável, era o próprio reflexo da scala naturae e seus animais estaticamente representados: assim como esta havia sido destruída nas bases que dava à história natural, seu reflexo social também pareceu ruir com este suposto ataque frontal à moral absoluta. No próprio Descent of Man (1871), numa nota de rodapé, Darwin procura se defender deste tipo de acusação:
Numa hábil dissertação sobre o assunto [uma comparação entre o senso moral dos humanos e das abelhas] [...], H. Sidwick observa que “podemos estar seguros de que uma abelha de ordem superior aspiraria a uma solução mais branda do problema da população”. Julgando, porém, pelos hábitos da maioria dos selvagens, o homem resolve o problema com o infanticídio das mulheres, com a poliandria e com as relações promíscuas: por isso se pode muito bem duvidar que possa existir um método mais brando. Ao comentar a mesma explicação [...] Cobbe sustenta que deste modo seriam anulados os princípios do dever social. Desta opinião quer-me parecer que se deve entender que esteja pensando que o cumprimento do dever social tende a prejudicar os indivíduos; mas se esquece do fato, que deveria admitir sem dúvida, de que os instintos das abelhas foram formados para o bem da comunidade. Vai tão longe a ponto de sustentar que, se a teoria da moralidade exposta neste capítulo fosse aceita geralmente, “não poderia senão crer no momento em que o seu triunfo tocasse a última hora da virtude humana”. É de se esperar que a confiança na permanência da virtude nesta terra não se apóie, para muitas pessoas, num sustentáculo tão débil (DARWIN, 1982 [1871]).
Fonte:
"AS FUNÇÕES DE FUNCÇÕES DO CEREBRO (1876): UM ESTUDO DO EVOLUCIONISMO DE DOMINGOS GUEDES CABRAL" (1852-1883): ROBERTO SOBREIRA PEREIRA FILHO (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-FIOCRUZ, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre). Área de Concentração: História das Ciências. RIO DE JANEIRO, 2008.
É isso!
Tenho certeza que o rapazinho que publicou este texto sabe muito bem como o mesmo está desconectado do resto da dissertação. Infelizmente, esse tipo de procedimento é uma estratégia muito comum hoje em dia, covarde e difamatória, que insulta o intelecto do interlocutor. É um estudo preguiçoso e covarde, que abusa dos efeitos do itálico numa leitura rápida e despreocupada com uma investigação científica legítima. Absolutamente coerente com a postura mau caráter de diversos tipos de pastores evangélicos que pipocam em cada esquina, curiosamente, um público que também nada gosta de Darwin e suas idéias
ResponderExcluirPara quem acredita em conspirações e quer conferir, vai aqui o link da tese completa:
ResponderExcluir---
http://www.fiocruz.br/ppghcs/media/dissertacaorobertosobreira%20.pdf
O senhor poderia ao menos explicar, se é que entendeu, que todas as citações acima expostas, como exemplo "Os instintos são características físicas, materiais, que podem ser herdadas e submetidas às mesmas leis naturais..." estão referindo-se ao texto estudado, e não refletem uma opinião do autor. É muita malícia ou idiotice não explicar isso claramente na exposição de partes do texto.
ResponderExcluirE, outra coisa, se você tem tanto problemas com o darwinismo e suas consequências, é melhor não medicar-se nunca mais, visto que TUDO que é produzido pela farmácia baseia-se na boa e velha teoria darwinista da ancestralidade comum.
ResponderExcluirBem que me avisaram que até hoje havia quem duvidasse disso...
"E, outra coisa, se você tem tanto problemas com o darwinismo e suas consequências, é melhor não medicar-se nunca mais, visto que TUDO que é produzido pela farmácia baseia-se na boa e velha teoria darwinista da ancestralidade comum."
ResponderExcluir---
Caro Roberto,
Não fiz nenhum comentário acerca do texto, mas apenas citei-o, incluindo a respectiva fonte...
Quanto à suposta utilidade do darwinismo...
http://humordarwinista.blogspot.com/2009/08/darwin-gripe-suina-e-o-aparelho-para.html
↓
Um abraço!
Em resposta:
ResponderExcluirhttp://humordarwinista.blogspot.com/2011/03/da-inutilidade-do-darwinismo-para-as.html
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO sr. é um fafarrão em dar uma resposta destas!
ResponderExcluirPor favor, vá estudar um pouco de Biologia antes de sair por aí defecando pela boca