A Rede Globo e sua omissão na "Diretas Já"

A Omissão na Cobertura das Diretas Já

“A campanha pelas Diretas Já foi um movimento que atingiu todo o Brasil em 1984 pela aprovação da emenda Dante de Oliveira que restabelecia a eleição direta para presidente da República.

A Rede Globo praticamente ignorou a campanha que mobilizava o país e o Jornal Nacional, principal telejornal da rede, omitia qualquer evento da campanha e até distorcia os fatos.

Em São Paulo, entre 250 a 300 mil pessoas foram à Praça da Sé no dia 25 de janeiro de 1984, dia do aniversário da cidade, para um comício pelas diretas. Todos os órgãos da grande imprensa cobriram o ato público e foi a grande notícia do dia e da semana. Só o “Jornal Nacional” fez diferente: noticiou como se fosse uma festa comemorativa e mostrou mais a presença de artistas reduzindo a relevância da informação.

Para Bucci (2000, p.29), o Jornal Nacional enganou o telespectador naquela noite e prosseguiu enganando durante semanas. Ele lembra que a “chamada” do JN no dia 25 de janeiro de 1984 era um boicote explícito ao comício pelas diretas. O texto lido pelo apresentador Marcos Hummel dizia: “Festa em São Paulo, a cidade comemora seus 430 anos em mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na praça da Sé”. “Para quem só se inteirasse dos acontecimentos pelos noticiários da Globo, a campanha das Diretas não existia”.

A Globo se chocou direto com seu público na cobertura da campanha das Diretas. A emissora ignorava a campanha e seus repórteres eram tratados como inimigos pelo povo na rua. Conti (1999, p.38) lembra que o Ministro da Casa Civil, Leitão de Abreu, havia convencido Roberto Marinho a ignorar a campanha, dizendo que era prejudicial para o governo.

A mesa de Roberto Marinho foi coberta por telex, telegramas e cartas de protesto contra distorções no noticiário, algumas delas assinadas por anunciantes e donos de agências de propaganda. ‘Se a Globo continuar ignorando as diretas, corre o risco de perder verbas publicitárias’, avisou o diretor de comercialização, Dionísio Poli, a Roberto Marinho – que relutava em deixar focalizar o povo nas ruas.

O boicote da Globo foi até quase o final do processo. Faltando duas semanas para a votação da emenda Dante de Oliveira, o grupo Marinho assumiu a campanha no comício no Rio de Janeiro. Na época, em uma entrevista para a revista Veja, Roberto Marinho disse que num primeiro momento a cobertura foi apenas por meio de reportagens regionais, mas “a paixão popular foi tamanha que resolvemos tratar o assunto em rede nacional” (Vitória...Veja, nº 845, p.54).

Armando Nogueira, na época, diretor de jornalismo da Globo justifica-se dizendo que pediram para que não cobrissem os primeiros comícios. Segundo ele, Roberto Marinho chegou à conclusão de que, naquele momento, mais importante para a sobrevivência da empresa seria refletir o pensamento da sociedade e não mais o do Estado.

...ele foi cauteloso e soube definir na hora certa. Digo isso porque o comício mais importante foi mesmo o da Candelária. E se tornou o mais importante por causa da Rede Globo. Portanto, afirmar que a Globo se omitiu na campanha das diretas é meia-verdade. A Globo tornou viável a campanha ao cobrir os comícios. Evidentemente, ninguém vai imaginar que a Globo cobriu o comício da Candelária porque os militares pediram. Cobriu correndo um risco. Imagino que risco calculado
(Silva, 2001, p.39).

A cobertura da campanha só apareceu no Jornal Nacional depois que a direção da rede percebeu que o regime militar estava ruindo e existia a possibilidade de um nome conciliador e conservador para assumir o país no novo regime democrático, no caso Tancredo Neves. “A EC não foi aprovada e as forças de oposição se dividiram entre aqueles que queriam continuar lutando por eleições diretas e imediatas e aqueles que queriam encontrar uma solução de compromisso” (Lima, 2005, p.113).

A revista Isto é chegou a noticiar, em março de 1984, um encontro entre Tancredo Neves e Roberto Marinho. Logo depois o Jornal Nacional aderiu à campanha pelas Diretas.”

---


Fonte
:
FLORENTINA DAS NEVES SOUZA: “O JORNAL NACIONAL E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS 2002 e 2006”. (Tese apresentada ao curso de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor. Área de Concentração – Estudo dos Meios e da Produção Midiática. Orientador: Prof. Dr. Laurindo Leal Filho). Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2007.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Um comentário:

  1. Isto não é novidade. Até hoje em pleno 2015 as ações da Rede Globo são patrulhadas, prova de que consegue atingir a todos os níveis sociais e intelectuais de seus espectadores.

    ResponderExcluir

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!