PÚBLICA: o "WikiLeaks" brasileiro

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PÚBLICA: AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO INVESTIGATIVO

"A Pública é uma ideia nova. Uma agência de jornalismo investigativo inspirada em modelos que já existem em alguns países, onde centros independentes se dedicam a fazer reportagens de fôlego, que têm perdido espaço nos veículos tradicionais.
A proposta da Pública é fazer jornalismo “puro” – reportagem – em parceria com veículos, instituições e jornalistas independentes do Brasil e de todo o mundo. A organização Wikileaks e o jornalista britânico Andrew Jennings estão entre os que já participam do projeto.Além de manter uma linha apartidária, comprometida com o interesse público da pauta acima de tudo, vamos cobrir os temas globalmente, sempre que possível, já que cada vez mais os acontecimentos extrapolam as fronteiras nacionais".

Miranda Ribeiro no “eclipse do darwinismo”



"Quando Miranda Ribeiro começou a trabalhar no Museu Nacional, em 1894, a teoria da evolução por seleção natural proposta por Darwin e Wallace já não era tão popular. Embora o fato da evolução não sofresse questionamentos por parte dos cientistas, os mecanismos que proporcionariam as mudanças nas espécies não eram consensuais. A seleção natural era relegada em favor de outras explicações como mudanças que poderiam ocorrer aos saltos, ou mesmo a hereditariedade de características adquiridas (Bowler, 1989: 246-247). Havia muitos problemas que não haviam sido resolvidos pelo darwinismo como, por exemplo, a origem das variações, ou como as características seriam transmitidas para os descendentes. A pangênese, hipótese de Darwin para explicar a herança biológica não satisfazia à comunidade científica (Mayr, 1998: 774). O desenvolvimento da teoria celular aumentava e produzia muitas interrogações sobre a natureza e localização dos fatores hereditários.

Portanto, é nesse período, em fins do século XIX e início do século XX, em que
especialmente o mecanismo da seleção natural parece desacreditado, que Miranda Ribeiro defende a veracidade e a utilidade dessa teoria, apesar de ter ocorrido um renascimento do lamarckismo e a redescoberta da genética. Tal fato não é inexplicável nem tampouco surpreendente. No Brasil, desde a recepção da teoria de Darwin, na década de 1870, esta vinha sendo discutida combinada com outras teorias evolutivas e, dessa forma, continuou fazendo parte do discurso científico mesmo com o declínio de popularidade no mundo (Domingues et al., 2003; Alonso, 2002; Gualtieri, 2001; Benchimol, 1999; Collichio, 1988). Esse declínio de popularidade foi chamado por Julian Huxley de “eclipse do darwinismo” e se referia ao período que se passou desde as duas décadas finais do século XIX até a época em que a genética foi combinada com o mecanismo de seleção natural, o que ficou conhecido como “nova síntese”, que ocorreu por volta das décadas de 1930 e 1940 (Bowler, 1989: 246). O próprio Julian Huxley, foi um dos “arquitetos da síntese”, assim como Dobzhansky, Mayr, Simpson, Rensch e Stebbins (Mayr, 1998: 663). Mas antes que isso acontecesse, muita coisa precisou ser feita. Ainda assim, entre o “eclipse” e a “síntese” muitas apropriações do darwinismo continuaram a surgir, como aconteceu aqui no Brasil. O eclipse, na verdade se referia a um período em que a seleção natural não estava sendo considerada como um mecanismo capaz de proporcionar mudanças ou evolução dos seres vivos, ao mesmo tempo em que teorias aparentemente concorrentes, ganhavam força, como o neolamarckismo e a genética que estava sendo trazida à tona.

As apropriações do darwinismo ocorriam pela facilidade com que os leitores dissociavam elementos das várias teorias a que tinham acesso dentro do arcabouço estrutural da teoria da evolução. Como dissemos, um dos cientistas responsáveis pela síntese, o ornitólogo alemão Ernst Mayr, identifica somente em relação ao programa de pesquisa darwinista, cinco teorias independentes que podem ser combinadas com outras teorias evolucionistas. Essas cinco teorias podem não constituir a totalidade do programa de pesquisa, porém são elementos fundamentais deste. Além disso, embora Mayr tenha identificado, ao longo de sua exaustiva pesquisa sobre o darwinismo, o que hoje poderíamos considerar o núcleo do programa de pesquisa, o próprio Darwin, nunca
trabalhou de forma isolada com essas teorias. Talvez tenha dado mais ênfase ao mecanismo de seleção, o que levou o darwinismo, desde a publicação de Origem, a ser combatido ferozmente, principalmente por aqueles que associavam a idéia de um Criador regendo o processo de evolução nos seres vivos.

Aqui no Brasil, como em outros países, as apropriações feitas pelos indivíduos letrados procuravam sempre associar o darwinismo com outras teorias, principalmente sociais, que permitissem pensar na possibilidade de desenvolvimento do país. Nesse sentido, o mecanismo de seleção natural não era interessante, porque ele agia sobre pequenas variações que surgiam ao acaso e este não era estimulante para aqueles que queriam que a sociedade se desenvolvesse da maneira linear ou progressiva como, por exemplo, os positivistas que seguiam a filosofia comteana
.

Por esse motivo, a seleção natural, muitas vezes foi dissociada da teoria de Darwin. O que permitia a dissociação do mecanismo de seleção natural de outros elementos da teoria darwinista, como já dissemos, é, segundo Mayr, o fato de que, na verdade, a teoria da evolução é constituída por cinco teorias independentes, porém, cuja união produz um sentido específico. Mayr também afirma que muitas evidências de que Darwin
considerava todos os componentes um todo único e indivisível (Mayr, 1998: 564). No entanto, essas cinco teorias podem ser separadas (o que, de fato, aconteceu em muitos casos) e cada uma, independentemente, associada a outras concepções evolucionistas, produz sentidos diferentes do darwinismo original.

As cinco teorias são: 1) o fato da evolução que se opõe a um mundo constante e
imutável. As espécies evoluem e mudam seus perfis ao longo de milhares de gerações. Darwin não foi o primeiro nem o único a admitir esse fato; 2) as várias formas vivas conhecidas atualmente são descendentes de organismos que viveram milhares de gerações passadas. Por exemplo, espécies de um mesmo gênero tiveram um ancestral comum; 3) A evolução das espécies ocorre gradualmente pelo acúmulo de pequenas variações que surgem a cada geração e são mantidas nas gerações seguintes. O gradualismo da evolução também era um dos elementos da teoria evolucionista de Lamarck (1744 1829); 4) as populações que vivem numa mesma região estão sujeitas às pressões ambientais daquele espaço e, assim, as variações que são transmitidas são específicas para aquele espaço com suas condições ambientais. Se uma população de uma espécie qualquer for separada por algum tipo de barreira, as condições ambientais a que ficarão submetidas também poderão ser diferentes. Então, as variações acumuladas nas duas populações daquela espécie formarão conjuntos diferentes, o que poderá levar à formação de duas espécies diferentes. Ou seja, poderá ocorrer a especiação populacional; 5) a seleção natural é o mecanismo que leva à mudança nas espécies ao longo das gerações porque em cada ambiente ocorrerá o acúmulo de variações diferentes e específicas para as condições em que vivem aqueles organismos.

Miranda Ribeiro é categórico ao dizer, em um artigo intitulado “A Zoologia no século do Museu Nacional do Rio de Janeiro”, que Darwin escreveu a obra “julgada a mais notável produção humana do século passado, por um plebiscito universal”, a Origem das Espécies (Miranda Ribeiro, 1919: 51). Em seus trabalhos, no entanto, podemos perceber que ele valorizava alguns componentes específicos da teoria darwinista, como veremos a seguir."

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Fonte:
MARIA ROSA LOPEZ CID MIRANDA RIBEIRO: "UM ZOÓLOGO EVOLUCIONISTA NOS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLICA - 1894/1938"). Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: História das Ciências. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Francisco Waizbort Co- Orientadora: Profª. Drª. Magali Romero Sá). Rio de Janeiro, 2009.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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Fotos antigas de cidades do Paraná: TOLEDO


Um pouco da história de Toledo, cidade do interior do Estado do Paraná, emancipada em 1951, cuja história está diretamente ligada à famosa Indústria Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A - MARIPÁ, em fotografias da década de 1950, do Acervo Museu Histórico Willy Barth.

TOLEDO - Vista da Rua Sete de Setembro, esquina com a Rua Barão do Branco, em 1955-1956


TOLEDO - Vista da Avenida Maripa, entre as ruas Rui Barbosa e São João, em 1950


TOLEDO - Vista da Avenida Maripá, em 1950


TOLEDO - Escritórios da MARIPÁ, localizados à Rua Sete de Setembro, esquina da Rua Barão do Rio Branco, em 1950


TOLEDO - Avenida Maripa, entrada da Cidade, em 1950


TOLEDO - Vista da 1ª igreja da cidade e do Colégio das Irmãs, em 1950

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Fonte:
Acervo Museu Histórico Willy Barth. In: Reginaldo Aparecido dos Santos: “Narrativas Urbanas: cidade, fotografia e memória, Toledo- PR (1950-1980)”. Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Marechal Cândido Rondon – PR, 2010.

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Midiação da Cultura Moderna



"Para a construção de uma teoria sobre as sociedades modernas, Thompson em Ideologia e cultura moderna postula a centralidade da

... midiação da cultura moderna – isto é, as maneiras como as formas simbólicas, nas sociedades modernas, tornaram-se crescentemente mediadas pelos mecanismos e instituições da comunicação de massa...
(1998, p. 104).

Nesse texto, o autor afirma que a produção e a reprodução das formas simbólicas encontram-se cada vez mais mediadas pelos meios de comunicação de massas. A discussão que apresenta para elaborar uma teoria social e política das sociedades modernas considera não apenas a importância das mídias, mas a toma como um elemento central.

No livro A mídia e a modernidade, Thompson revê o argumento da centralidade dos meios de comunicação por considerá-lo muito pretensioso, porém continua afirmando que o “desenvolvimento da mídia vem entrelaçado de modo fundamental com as principais transformações institucionais que modelaram o mundo moderno” (1999, p. 9), e se propõe
a traçar as principais mudanças que desembocaram no que ele denomina de “organização social do poder simbólico” (1999, p.12) e suas conseqüências para a sociedade. Como em seu trabalho anterior, Thompson questiona o fato de muito dos teóricos sociais não terem se atentado para a importância da mídia, seja pela suspeição quanto ao seu caráter efêmero e superficial, seja pela fidelidade ao legado das teorias clássicas da Sociologia, que desconsideram o papel do desenvolvimento dos meios de comunicação para a sociedade moderna. De acordo com Thompson, as teorias clássicas associam a dinâmica cultural típica da sociedade moderna ao processo de racionalização e secularização, que eliminaria os mitos e as superstições.

Para Thompson, no entanto, o desenvolvimento dos meios de comunicação criou “novas formas de ação e de interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e novas maneiras de relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo” (1999, p.13) e novas formas de exercer o poder, pois, para além da interação face a face, desenvolveram-se mecanismos de interação mediada e quase-mediada, que transformaram a organização espacial e temporal da vida social, além de poderem ser experimentadas desarticuladas do compartilhamento local, apesar de poderem ser recebidos e entendidos na
perspectiva local, pois são interpretados por sujeitos que vivem em contextos específicos, fato que não pode ser desconsiderado.

Se, por um lado, o autor valoriza o poder da mídia ao afirmar que ela tem exercido
uma influência significativa na formação do pensamento político e social, por outro, evita os excessos ao evidenciar que não é possível estudar o desenvolvimento dos meios de comunicação e seus impactos desconsiderando os outros processos históricos e sociais mais amplos. Para Thompson (1999), as características do mundo moderno resultaram de transformações institucionais que se iniciaram no último período da Idade Média e início da era moderna, como mudanças econômicas (transformação do feudalismo em capitalismo) e mudanças políticas (redução e reagrupamento das numerosas unidades políticas em estados-nações, que passaram a concentrar o monopólio do uso legítimo da força em seu território). De acordo com Thompson (1999), sobre essas transformações há uma farta e vasta bibliografia, com base nos estudos de Marx e Weber, porém menos evidente têm sido as discussões em torno das mudanças do que ele denomina de domínio cultural, pois enquanto para Marx o modo capitalista levaria à desmistificação do mundo, em Weber, que apesar de ter conferido mais atenção ao desenvolvimento do domínio cultural, a racionalização e o desencantamento do mundo, que decorreriam das mudanças que se engendraram, são temas controvertidos e de difícil demonstração.

Thompson (1999) propõe, ao invés de focar as mudanças que se processaram quanto aos valores, crenças, atitudes, como é comum na bibliografia que explora a questão, colocar em evidência as transformações que se processaram na produção e circulação das formas simbólicas, a partir das quais uma mudança cultural sistemática foi implementada. Por exemplo, o sentimento de identidade nacional, que acompanha o desenvolvimento dos estados-nações, encontra-se articulado ao desenvolvimento da mídia que possibilitou a divulgação rápida e sistemática de idéias e símbolos nacionais.

Segundo Thompson (1999), três mudanças teriam ocorrido quanto à reorganização do poder simbólico, duas das quais fartamente discutidas pela Sociologia e História. A primeira diz respeito à mudança do papel que as instituições religiosas mantiveram na Idade Média quanto ao monopólio e difusão de símbolos religiosos que. No início da formação dos estados europeus, a Igreja Católica continuou a exercer uma influência significativa por meio de alianças entre as elites religiosas e políticas, além do papado exercer um certo grau de arbitragem entre os governantes. Porém, com o fortalecimento dos estados, sua influência foi minimizada. Outro fator que concorreu para o abalo do
poder da Igreja Católica foi o advento do protestantismo, que dividiu a autoridade religiosa quanto ao poder político e à divulgação de estilos de vida e bens simbólicos e culturais.

A segunda mudança, que acompanhou essa primeira, foi a crescente expansão de sistemas de conhecimento e instrução secularizados, que se libertaram da tradição religiosa, para o qual concorreu o desenvolvimento das ciências, que gerou a formação de
sociedades literárias, mudanças no currículo universitário e nas escolas.

A terceira mudança, sob a qual reside o eixo argumentativo do Thompson (1999), foi a mudança da escrita para a impressão, com o conseqüente desenvolvimento da mídia. Tanto a Igreja quanto os estados tentaram de algum modo controlar os novos centros de poder simbólico, porém isso ocorreu sempre de forma limitada. Thompson observa que, desde o início do século XIX, três tendências podem ser observadas no desenvolvimento
das indústrias de mídia: “1) a transformação das instituições da mídia em interesses comerciais de grande escala; 2) a globalização da comunicação; 3) o desenvolvimento das formas de comunicação eletronicamente mediadas” (1999, p. 73).

Um aspecto relevante para esta tese apresentado por Thompson (1999) diz respeito ao impacto do desenvolvimento das mídias para os conteúdos simbólicos tradicionais. Segundo o autor, as novas mídias não destruíram aos conteúdos tradicionais, mas ampliaram a forma dos sujeitos as vivenciarem para além das experiências face a face, pois os sujeitos podem experimentar tradições de sua própria cultura ou de outras culturas por meio de relações mediadas e quase-mediadas. A tradição teria se libertado das limitações das interações face a face, teria de desritualizado, perdendo a ancoragem que existia nas práticas cotidianas. Porém Thompson (1999) argumenta que é possível que as tradições estejam sendo transformadas ou “desalojada” de sua relação com as práticas locais ao serem veiculadas pelas mídias, sofrendo novas ancoragens ao serem relacionadas a conteúdos simbólicos de outras tradições.

Para finalizar este tópico, irei apresentar uma reflexão sobre a importância da linguagem na sociedade com base em Habermas
. Para tanto, apresentarei alguns elementos da pragmática discursiva de Habermas e os conceitos de heteronomia e autonomia definidos por ele.

De acordo com Siebeneichler (2003) e Kyian (2005), Habermas, filiado à perspectiva filosófica de busca da emancipação humana e pautado na análise da sociedade atual por ele denominada de pós-metafísica, atribui à filosofia um papel crítico diante dos sistemas de conhecimento (ciência, senso comum, religião etc.), por meio de uma análise do uso da linguagem realizada nessas esferas. O papel da filosofia deixaria de ser a de juiz da razão, e passaria a ser o de mediadora entre a esfera do cotidiano e a da produção do conhecimento, por meio da análise racional de seus discursos (Siebeneichler, 2003). Para Costa (2002), o critério de verdade, de acordo com Habermas, deixa de ser buscado na relação entre enunciados e fato concreto, e passa a ser resgatado na ação comunicativa, na argumentação plausível que tende ao consenso discursivo entre os pares.

É possível assinalar diversas semelhanças entre as teorias de Thompson (1998) e de Habermas, pois ambos se filiam à tradição crítica do pensamento ocidental, entendem a sociedade como um palco de conflitos sociais, concebem os sujeitos como seres ativos, e a produção de conhecimento científico como uma das instituições, dentre outras, que produz conhecimento e que precisa dar provas argumentativas do que postula, possibilitando o debate entre os pares.

Para Habermas, os conflitos de interesses se manifestam no uso da linguagem. Ele não exclui outras formas de manifestação dos conflitos, porém seu interesse recai sobre o domínio da linguagem, já que a produção de conhecimento seja científico, senso comum
ou religioso se dá acima de tudo mediado pelas práticas discursivas.

No uso da linguagem, para Habermas (apud Siebeneichler, 2003; Kyian, 2005),
ocorreria uma tendência estimulada socialmente para que os grupos ou indivíduos ajam lingüisticamente de forma estratégica com o objetivo de convencer o outro, sem de fato se propor a uma relação dialógica diante do conflito, e, assim, evitar agir de forma comunicativa com o objetivo de construir o consenso.

A partir do discurso estratégico próprio de diversas instituições, privilegia-se a formação da identidade dos indivíduos de forma heterônoma, isto é, a partir de normas criadas por outrem, as quais os indivíduos ou aceitam sem contestação ou refutam, negando-se a se apropriar de seus conteúdos de forma crítica, com renúncia, em ambos os casos, ao uso crítico da razão. Se, em alguma medida, a transmissão das normas e valores sociais ocorre de forma heterônoma, ao estimular a formação para agir de forma heterônoma, dificulta-se a formação de sujeitos autônomos.

A formação de sujeitos autônomos só seria possível, segundo Habermas (2003) por meio do agir comunicativo, que implica no uso da razão e da fala argumentativa, que possibilitam a apropriação crítica e emancipatória de conteúdos em conflito, sem, no entanto, se apoiar ou fazer concessão para qualquer discurso autoritário e dogmático (Habermas, 2003).

Para Habermas (2003), a heteronomia, na ação, implica que o sujeito está orientado por normas criadas por outrem; a autonomia implica em ação orientada por “princípios de justiça” (p. 202).

À heteronomia, isto é, à dependência de normas existentes, opõe-se a exigência de que o agente, ao invés de validez social de uma norma, erija ao contrário a sua validade em princípio de determinação do seu agir. Com esse conceito de autonomia, o conceito da capacidade de agir responsavelmente também se desloca. A responsabilidade torna-se um caso especial da imputabilidade; esta significa a orientação do agir em função de um acordo representado de maneira universal e motivado racionalmente — age moralmente quem age com discernimento.
(Habermas, 2003, p. 196)

A partir da perspectiva pós-metafísica do pensamento ocidental, Habermas analisa a presença da religião na sociedade atual e afirma que nenhum discurso racional pode
substituir ou eliminar a religião, cujos discursos são apresentados como questão de fé. E que, a partir da tensão entre discurso argumentativo e discurso religioso, seria possível que os conteúdos salvívicos próprios da religião pudessem ser apropriados de forma crítica pela sociedade laica, pois contém uma potência emancipatória. O agir comunicativo possibilitaria a apropriação de alguns dos conteúdos religiosos, em conflito com a lógica racional, de forma crítica (Kyian, 2005).

A possibilidade de transformações e novas ancoragens de significados simbólicos religiosos tradicionais por meio de sua divulgação pelos meios de comunicação de massa, seja como possibilidade emancipatória ou como formas simbólicas ideológicas, seja contribuindo para a formação autônoma ou heterônoma das crianças, será aprofundada nos capítulos seguintes ao abordar a forma como os conteúdos simbólicos religiosos continuam presentes na sociedade e têm sido explorados pelas mídias, e como a Literatura Infantil tem servido de espaço de manutenção de diversos conteúdos simbólicos alijados do repertório adulto, mas que encontram na produção literária para crianças um novo espaço de permanência e transformação."

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Fonte:
CELIA MARIA ESCANFELLA: "LITERATURA INFANTO-JUVENIL BRASILEIRA E RELIGIÃO: UMA PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO IDEOLÓGICA DA SOCIALIZAÇÃO". (Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob orientação da Profa. Dra. Fúlvia Maria de Barros Mott Rosemberg). São Paulo, 2006.

Nota
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A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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Ética, suicídio e adolescência



“Abordar questões tão íntimas e revestidas de mitos e tabus que acompanham o círculo familiar, as redes sociais que se estabelecem na fase da adolescência como, também, toda a concepção que paira na sociedade sobre o suicídio, requer uma abordagem ética.

Ética refere-se, em grego, à busca de uma boa “maneira de ser” ou à sabedoria da ação (BADIOU, 1995). Referiu uma sutil distinção entre “ética e “moralidade”. Este reserva o princípio ético à ação imediata; enquanto a moralidade concerne à ação reflexiva.

Badiou (1995) acrescenta que o sábio é aquele que, sabendo discriminar entre as coisas que dependem dele e aquelas que não dependem, organiza sua vontade ao redor dos primeiros e suporta impassivelmente as segundas. Os direitos humanos são os direitos que preservam a pessoa de não ser ofendido ou maltratado em sua vida. Anuncia o horror à morte, à fome e à humilhação das minorias.

A ética da sacralidade considera a vida como propriedade de Deus, dada ao homem para administrá-la. É um valor absoluto que só a Deus pertence. O ser humano não tem direito sobre a sua própria vida e a vida alheia. O princípio fundamental é a inviolabilidade da vida (SANVITO, 1977).

O moderno pensamento teológico defende que o próprio Deus delega o governo da vida à autodeterminação do ser humano e isto não fere e muito menos se traduz numa afronta à sua soberania. No processo da abordagem científica, a ética da vida relata que a vida é um dom recebido, mas que fica à disposição daquele que o recebe, com a tarefa de valorizá-la qualitativamente.

Ampliando a discussão sobre a valorização da vida, Camom (1984), sob uma perspectiva filosófica, enfatiza que existe apenas um problema filosófico verdadeiramente sério, que é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões ou se o espírito tem nove ou dez categorias, vem depois.

Para Sanvito (1997), de uma maneira perversa, em alguns países do primeiro mundo, determinados membros da sociedade, a título de exemplo, idosos, indivíduos não-produtivos, pacientes com patologias múltiplas ou com doenças crônicas prolongadas e onerosas ao sistema público de saúde, deixam de ser contemplados com assistência médica integral. Nesses casos, o sistema de saúde se abstém de proporcionar atos médicos complexos ou de empregar procedimentos de alto custo. É a lógica perversa da economia balizada pela relação custobenefício, que vem promovendo uma eutanásia social.

Aumentando essa compreensão, PessinI (1994) coloca que as sociedades são dinâmicas e vão adquirindo novos valores e o subproduto dessas mudanças é o aparecimento de uma nova moral, uma nova ética, uma nova civilização, enfim, de novas maneiras de pensar. O suicídio surge como uma das formas mais tristes de destruição, pois este ato envolve perguntas que não encontram apoio no seio das explicações científicas, acadêmicas e mesmo religiosas.

O máximo que concluímos é que o suicídio não é desejável eticamente, com base em uma perspectiva de prioridades ou preferências. A auto-realização tem prioridade sobre a autodestruição. O suicídio corta radicalmente toda possibilidade de colaborar para a construção social por meio de atos possíveis de revisão, destrói irreparavelmente a sua criatividade e a possibilidade de colaborar para o seu próprio desenvolvimento.

Cassorla (1994) enfatiza a afirmação de Durkhein, no final do século passado, ao enfaixar o suicídio como uma ocorrência individual que estava diretamente vinculada com outras ocorrências sociais. Sua obra é de orientação objetiva e científica, pois partiu de dados objetivos: as taxas de suicídio, no entanto, com uma preocupação moral, posicionando-se contra o suicídio: “o suicídio é, pois, reprovado por que revoga aquele culto pela pessoa humana sobre o qual repousa toda a nossa moral”.

Vivemos numa sociedade delirantemente suicida que aniquila os seus cidadãos das formas mais violentas. Seja no assalto, nas torcidas, em velocidade nas ruas e estradas, seja ainda no quietismo diante de tantas formas impiedosamente aniquiladoras. Uma sociedade que aniquila seu semelhante (ANGERAMI-CAMON, 1997).

Boff (1999) alerta-nos sobre esta situação de falta de cuidado e, por causa disso, muitos se rebelam, fazem de sua prática e de sua fala permanente contestação. Contudo, sozinhos sentem-se impotentes para apresentar uma saída libertadora. Perderam a esperança. Outros perderam a própria fé na capacidade de regeneração do ser humano e de projeção de um futuro melhor.

O papel da sociedade para com o suicida é viver motivações, estabelecer vínculos para que o indivíduo queira continuar vivendo nesta comunidade, convivendo com seus semelhantes, construindo uma vivência de valor para que não haja a ruptura homem-mundo, que se dá a partir do momento em que o sujeito vê-se solto e desgarrado como se não pertencesse ao mundo em que vive.

Portanto, a morte comporta, por meio do ato suicida, uma dimensão individual que busca uma finalidade pessoal ainda que tenhamos que compreender cada ato desses dentro do contexto social onde ocorre, para entendermos os limites da finalidade que o ato buscava através da morte. O desistir da vida não é um existir pleno, é um desistir de uma condição “de viver”.

Segundo o censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000), o Brasil tem 34 milhões de jovens entre 15 e 24 anos de idade. Os números levam-nos a refletir sobre o quanto é necessário estabelecer um pacto de cooperação em torno da temática juventude. Por isso, o significado do cuidado, tão bem colocado por Boff (1999), alerta-nos para a necessidade de estarmos vigilantes e colocar o cuidado em tudo o que projetamos e fazemos."

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Fonte:
Mary Landy Vasconcelos: "Freitas Razões para Tentativas Suicidas em Adolescentes: desafio para a educação em saúde". (Dissertação apresentada à banca examinadora do Curso de Mestrado em Educação em Saúde da Universidade de Fortaleza, UNIFOR, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação em Saúde. Orientadora: Profª. Drª. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira). Fortaleza – Ceará, 2005.

Nota
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Fotos antigas de cidades do Pernambuco - IX


Um pouco da história de duas importantes cidades do Pernambuco, Triunfo e a famosa Caruaru, cuja feira fora consagrada pelo maravilhoso Luiz Gonzaga na música "Feira de Caruaru".

CARUARU - Ponte sobre o Rio Ipojuca no povoado de Antônio Olinto, em 1925


CARUARU - O que era o local antes de construir a praça, em 1925


CARUARU - Praça Sergio Loreto, inaugurada em 1925


TRIUNFO - Vista da feira da cidade, em 1929


TRIUNFO - O Teatro-Cinema Guarany e o parque à margem do açude, em 1929

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Fonte:
Revista da Cidade, disponível digitalmente no site: Domínio Público

A paranóia anticomunista norte-americana



"É neste cenário, povoado de apreensões, que emerge a figura do Senador Joseph McCarthy. Até 1947, data em que chegou ao Senado, McCarthy teve uma carreira política inexpressiva, porém, oportunista, aproveitou-se da questão comunista para projetar- se politicamente: “Em 1950, McCarthy fez suas primeiras aparições e Alger Hiss foi condenado. O palco estava pronto para a encenação de terror do macartismo. Em março de 1951 os Rosenbergs foram condenados à morte, e o Comitê começou uma nova série de audiências para Hollywood.”

A indústria cinematográfica
foi alvo da investigação do Comitê da Câmara contra Atividades Antiamericanas, presidido pelo senador. Conhecidos artistas e produtores de Hollywood sofreram constrangimentos, processos e condenações, tendo sua vida pessoal e profissional arruinadas. Os anticomunistas temiam que o cinema estivesse sendo utilizado com fins políticos, quer dizer, como propaganda pró-soviética. Um determinado filme produzido no ano de 1944, Canção da Rússia, incomodou o Comitê sobremaneira. Foi chamada uma perita [censora] em filmes, que identificou o “pecado” da película: exibia russos sorrindo, o que foi interpretado como parte do esforço da propaganda comunista. Achamos interessante reproduzir esta passagem do diálogo entre a perita e o integrante da comissão:

Comissão: - Ninguém sorri na Rússia?
Perita: - Se a pergunta é literal, a resposta é: quase ninguém.
Comissão: - Eles nunca sorriem
Perita: - Não assim. Se acaso sorriem, é na intimidade e por acidente. Não se trata de um ato social. Não sorriem em aprovação ao sistema.

A perseguição empreendida por McCarthy não se ateve somente a políticos ou pessoas que ocupavam cargos públicos, ou mesmo e a prováveis ou confessos comunistas, ela estendeu-se a toda sociedade americana e incluía intelectuais, escritores, artistas, cineastas e pessoas comuns, mostrando os efeitos ruinosos dos radicalismos sob qualquer “bandeira”.

Causou estranheza não encontrarmos em Seleções, neste período, nenhum texto de autoria do próprio Senador McCarthy, devido à campanha anticomunista que empreendeu e a projeção que alcançou. Porém, deparamo-nos com dois artigos que comentavam sobre o Senador e sua campanha anticomunista: um, de aprovação, e outro, de censura. Os artigos foram publicados respectivamente, em maio de 1955 e novembro de 1956. Ambos não eram dirigidos a McCarthy, mas no desenrolar do texto, apareciam referências ao seu nome. No primeiro, o autor escrevia que era infundado, tanto nos Estados Unidos quanto no estrangeiro, o pensamento “de que êle instilou o mêdo das idéias na mente e no coração de todos americanos” e reprovava a atitude de inúmeros antimcarthystas americanos que “abrem a bôca para proclamar ao mundo que McCarthy lhes fechou a boca”. Tanto não era verdade que os periódicos de esquerda continuavam em circulação, inclusive o jornal comunista de Nova York, o Daily Worker. E concluía: “O mêdo exagerado de McCarthy
é tão maléfico quanto ao medo exagerado da propaganda comunista”. No segundo artigo, com o título As Antipatias de Eisenhower, outro autor afirmava: “Ike não gosta de extremistas”. Descrevia o ex-presidente como uma pessoa conciliadora e de bom senso, acrescentando que não foi a oposição de McCarthy a Eisenhower que teria provocado a antipatia do presidente pelo senador, mas sua atitude extremada em relação ao comunismo, que poderia colocar em risco os esforços do governo americano pela paz mundial.

Rodrigo Patto Sá Motta, em seu livro, Em Guarda Contra o Perigo Vermelho, em diversas oportunidades chama a atenção para o fato de que, apesar do caráter manipulador da campanha anticomunista, a ameaça comunista era uma realidade: “Sem nenhuma dúvida, havia anticomunistas convictos, indivíduos que realmente acreditavam na existência do perigo e agiam em consonância com esta crença”.
Dentro do amplo leque de representações que compõe o imaginário anticomunista, não podemos esquecer que o imaginário tem um amparo no real. No que se refere à União Soviética, sabemos que as atrocidades e arbitrariedades cometidas por Stálin durante seu governo não foram fatos inventados, mas reais. Porém, os anticomunistas representaram seus inimigos de maneira deformada e muitas vezes grotesca, depreciativa, com a clara intenção de prejudicar a imagem dos comunistas, impingindo, desta forma, descrédito à doutrina socialista.

Necessário se faz reiterar a relevância do papel da imprensa na construção de um imaginário negativo a respeito dos comunistas. Na relação sujeito narrador e leitor, o jornalista é visto como alguém que detém o conhecimento “se investe e é investido pelo leitor como aquele que sabe”. Portanto, quem escreve usufrui uma posição privilegiada para influenciar o leitor, pois este busca em seus escritos uma complementação de saber.

Na prática discursiva de Seleções, a imagem negativa dos comunistas/comunismo era constantemente veiculada e reforçada por esta repetição constante. Tal regularidade
enunciativa “atuava como um discurso pedagógico em sua forma mais autoritária”. Em consonância com o discurso em voga, a revista descrevia os comunistas como a personificação do mal, o demônio com todos os seus atributos. E o mais grave: atingia a moral cristã, admitindo o divórcio, o amor livre e o aborto, o que era entendido como um incitamento à dissolução da instituição familiar, como demonstravam as afirmações a seguir: “A revolução socialista de outubro [1917] aboliu a desigualdade política, jurídica e econômica da mulher, mas houve quem interpretasse erroneamente essa liberdade [...] Numa sociedade estritamente socialista, tal prática conduz a um relaxamento de costumes indigno do homem, suscita problemas pessoais, infelicidade e dissolução da família”. Sem mencionar o desrespeito à livre economia e à propriedade privada, baluartes do sistema capitalista. A União Soviética era significada como sinônimo de comunismo, portanto, centro irradiador do mal. Deste modo, “o comunismo deixa de ser um conceito político para tornar-se a imagem de um país”. Esquadrinhando os diversos artigos da revista sobre o tema, achamos que merece destaque o excerto abaixo, retirado da edição de agosto de 1952, por sintetizar o imaginário sobre o comunismo soviético:

A conquista da Europa satélite pelos comunistas é uma advertência final ao Ocidente: é assim que o comunismo soviético se infiltra e solapa; é assim que êle trai e contamina; é assim que domina os governos; é assim que êle escraviza e aniquila povos; que êle deturpa o patriotismo, a lealdade familial, a integridade pessoal e a moralidade; que mutila espíritos
e envenena corações; que junge todos os recursos humanos e materiais de uma nação aos objetos do estado escravizante. É assim que o comunismo se expande, domina e se perpetua.

A demonização do comunismo, adotada pela grande imprensa, era de uso corrente
em Seleções. A luta entre socialismo e capitalismo passou a representar a luta do bem contra o mal, o embate entre Deus e o diabo. O demônio era sedutor, astuto, sorrateiro, insidioso, envolvia suas vítimas inocentes com mentiras e falsas promessas. Era assim que o comunismo agia com suas vítimas, iludindo-as com falsas promessas de igualdade para depois escravizá-las: “Mais de um bilhão de pessoas, metade da população do mundo, são vulneráveis à sedução comunista”, afirmava o artigo. O comunismo era perigoso, contagioso como uma doença: A doença é um mal, mas a pior de tôdas as doenças é o comunismo. A própria Rússia era um gigante enfermo”.

Motta chama atenção para o fato de que, ao comparar o comunismo a doenças, a intenção era mostrar que os comunistas só poderiam ser doentes. Certamente, pessoas
saudáveis, em plena sanidade, não adotariam o comunismo como credo. Ele também aponta para denominações ligadas a animais, como aranha, polvo, etc., que pretendiam representar o projeto comunista de dominação mundial. Nesta analogia, o comunismo, com suas teias e tentáculos, urdia silenciosamente uma cilada para os povos incautos. Em Seleções encontramos estas referências aos comunistas agregadas de outros significados, como brutalidade e incivilidade (os grifos são nossos): “Uma prova trágica de seu bestial procedimento”. “No entanto, êles foram engolidos por uma jibóia tremendamente insidiosa e insaciavelmente faminta (o comunismo). O Estado Comunista gera informantes como as larvas de môscas proliferam numa vala comum”. “Sob a touca de avozinha recentemente enfiada pelo Kremlin, poderíamos ver então os olhos ávidos e os dentes afiados do lobo”.“Esta única mão diretora pertencia a um bandido baixo e corpulento, cabeça de gorila [...] antigo conspirador subterrâneo vermelho”. “O suíno mais cruel e oportunista em tôda aquela imundície [...] ocupava o posto de verdugo-mor; como chefe da KGB”.

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Fonte:
LENITA JACIRA FARIAS RAAD ... denunciando os males do comunismo” : o anticomunismo na revista Seleções Reader´s Digest - 1950-1960 (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Joana Maria Pedro). Florianópolis, 2005.

Nota
:
A imagem (Live Journal) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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Cinema e Estado Novo




"Em grande parte das referências bibliográficas sobre o cinema educativo encontramos a presença do vínculo com o Estado Novo, já que o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) foi fundado em 1937, em plena era Vargas, e grande parte desta produção foi marcada pelos ideais nacionalistas e centralizadores do período.

Na publicação organizada por Simon Schwartzman (1984), que não tem o cinema como objeto específico de análise, mas trata da atuação do Ministro Gustavo Capanema na área de educação e cultura, no período do governo Vargas, referências ao cinema educativo e à formação do INCE. O autor mostra que o que ocorria na área de educação e cultura naquele período fazia parte de um processo mais amplo de transformação do país, mas que não havia um projeto coeso e nem uma ideologia uniforme. A ação educativa era vista como um instrumento de poder, por parte de vários grupos sociais, e, por isso, era intensamente disputada. A Escola Nova, por exemplo, via a educação como um instrumento de neutralização das desigualdades sociais e em nome deste ideal,
seus representantes apoiaram algumas medidas de centralização do poder.

A análise aponta para a importância que os meios de comunicação de massa adquiriram como instrumento de mobilização popular e para as disputas entre educadores e políticos pela utilização desses meios, entre eles o cinema. Destaca ainda a ambigüidade que se estabelecia entre um cinema que se
propunha educativo e formativo, tal como propunha a Escola Nova, e outro de caráter mobilizador e propagandístico como era o caso da produção que veio a ser realizada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Segundo Simon Schwartzman, havia uma dificuldade conceitual e institucional em estabelecer a separação entre educação e mobilização político-social. A presença destas duas vertentes, educação e mobilização, nem sempre é lembrada na bibliografia sobre o cinema educativo. No entanto, essa diferenciação nos permite perceber que o projeto de cinema educativo que se pretendia implementar no final dos anos de 1920, liderado pelo grupo vinculado a Escola Nova, diferenciava-se da utilização que o Estado Novo fez do cinema e que, portanto, a associação direta entre cinema educativo e Estado Novo nem sempre é pertinente para entendermos a forma como o cinema foi pensado no contexto das propostas educacionais e políticas da Escola Nova.

A reflexão da importância que o cinema teve nas estratégias políticas e coercitivas do governo Vargas, entre elas a utilização do cinema educativo, aparece também no trabalho de José Inácio de Melo e Souza (2003), intitulado “Ação e imaginação de uma ditadura: controle, coerção e propaganda política nos meios de comunicação durante o estado novo”. O autor faz uma análise da atuação dos meios de comunicação na República Velha e após 1930. Ele mostra como o Estado Novo se relacionou com os meios de comunicação, como esta relação se diferenciou da que se estabeleceu na República Velha e como havia uma disputa entre diferentes projetos ideológicos dentro do Estado sobre os
destinos da propaganda.

A aproximação do cinema com a educação é tratada por Souza, a partir dos anos de 1920, quando o Estado passa a se preocupar com a moralidade dos espetáculos públicos. Várias medidas são tomadas, da censura às prescrições médicas até se chegar à questão da educação como solução para enfrentar os filmes nocivos às crianças e adolescentes. Segundo o autor, no final da década de 1920 o cinema estava firmemente manietado pelo Estado, no entanto, sem uma diretriz definida do que deveria ser apresentado para a sociedade. A maioria dos
filmes assistidos vinham de Hollywood e por isso estavam fora do controle do Estado brasileiro. Desta forma, atrelar o cinema ao governo era uma forma também de “direcionamento do olhar das câmaras” (SOUZA, 2004, p.39).

Podemos dizer que este “direcionamento do olhar das câmaras” foi conduzido não apenas pelo Estado, mas por um conjunto de profissionais interessados em “formatar” a produção cinematográfica nacional, realizada até os anos de 1920 de forma “artesanal” e sem um modelo definido. Os educadores da Escola Nova e os “homens de cinema” tiveram um papel significativo neste direcionamento por meio do cinema educativo. A união da educação com o cinema, seja pelo discurso da moralização da produção cinematográfica ou pelas manifestações das exigências de se incluir o cinema nacional no âmbito da “verdadeira” arte cinematográfica, contribuíram para se estabelecer um controle
das imagens captadas e veiculadas pelo cinema nacional.

Em relação ao grupo de educadores vinculados à Associação Brasileira de Educação (ABE), que formularam algumas das idéias sobre o cinema educativo, Souza afirma ter sido o grupo que mais se interessou no período pelo cinema, ora de forma repressiva ora como educação de massa. Menciona também a criação do INCE, no contexto das disputas políticas que envolviam o Ministério da Educação, no período Vargas, e concentra sua análise no Departamento de
Imprensa e Propaganda, criado em 1939.

Em análise sobre as ações institucionais do governo brasileiro com relação à produção cinematográfica nacional, Anita Simis (1996) mostra as várias ações em torno da implementação do cinema educativo no Brasil. Destaca as idéias de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, por considerar que entre os defensores do cinema educativo foram suas idéias que tiveram maior influência na elaboração de uma política cinematográfica no governo Getúlio Vargas. A autora aborda os usos sociais e políticos que foram imputados ao cinema, como a questão da propaganda, da integração nacional e da comunicação entre as regiões do território nacional. Aponta também, que, na década de 1930, em vez de uma dificuldade em separar o caráter educativo ou mobilizador do cinema, como
apontou Simon Schwartzman, ocorreu uma disputa entre os dois ministérios (Ministério da educação e Saúde e Ministério da Justiça) em torno da utilização do rádio e do cinema. Além disso, Simis (1996) nos mostra que todo o debate em torno da utilização do cinema como instrumento pedagógico já havia se iniciado na década de 1910, muito antes da implantação do Estado Novo. Ela aponta nomes como os de Rui Barbosa e Venerando da Graça entre os que defenderam cinema educativo em escritos publicados na década de 1910.

Para Simis (1996) o Estado Novo usurpou da sociedade as novidades que foram gestadas nos anos anteriores, como as reformas educacionais, as idéias de modernidade e os instrumentos de difusão cultural como o cinema. Assim como Souza (2003), Simis destaca o decreto 21.240/32, assinado por Francisco Campos e Osvaldo Aranha como um marco nas relações entre o Estado e a classe cinematográfica. A formulação deste decreto foi conseqüência de uma comissão presidida por Francisco Campos, representante do Ministério da Educação, por educadores como Lourenço Filho e Jonathas Serrano e por representantes da classe cinematográfica, Adhemar Gonzaga e Mario Behring, a fim de analisar a questão do cinema nacional. Entre as medidas adotadas pelo Decreto estava a federalização da censura, a inclusão de um filme educativo em cada programa das salas de exibição e alteração das tarifas de importação
(SOUZA, 2003, p.70).

Nos trabalhos tratados acima o cinema educativo é parte de uma temática maior que é a relação entre Estado e cinema ou Estado e meios de comunicação de massa.
Ainda nessa linha, podemos citar a análise de Cláudio Aguiar Almeida (1999a), que também se deterá sobre a utilização do cinema pelo Estado Novo, mas tendo por objeto uma produção específica, o filme “Argila”, obra ficcional produzida em 1940 por Carmem Santos, dirigida por Humberto Mauro e tendo a participação de Edgar Roquette-Pinto no roteiro. Neste trabalho há uma abordagem sobre o desenvolvimento do cinema nacional a partir dos anos 1920, inserindo a temática do cinema educativo na própria luta de cineastas da época para a formação de uma indústria cinematográfica nacional, o que justificaria a união entre cineastas e educadores. Aguiar aponta também para a presença das teorias eugênicas e positivistas de Roquette-Pinto no filme Argila. Observamos também no trabalho de Aguiar uma ênfase muito acentuada na influência que o cinema de propaganda alemão ou italiano poderia ter tido na produção dos filmes educativos do período Vargas. Segundo o autor, a propaganda realizada pelos “regimes de força” europeus interessou não somente o Estado brasileiro, mas também aos cineastas do período, pelas vantagens que poderiam vir junto. Como afirma o autor, “diversos cineastas ansiavam pelo aparecimento de um Fuhrer brasileiro que, lançando mão de seus poderes totalitários, contribuísse para a consolidação da ansiada indústria cinematográfica nacional” (ALMEIDA, 1999a, p.90).

Almeida (1999b) analisa, ainda, a relação entre os produtores cinematográficos e o Estado, comparando com os sistemas de produção cinematográfica oficiais da Alemanha, Itália e URSS. Segundo o autor a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que produzia o cinejornal brasileiro, somada à produção do Ministério da Agricultura e à do INCE, acirrou a
disputa entre instituições oficiais e empresas privadas na produção de curta-metragem para o cumprimento da lei de obrigatoriedade. Segundo o autor, as “produções oficiais prescindiram dos recursos de bilheteria para a sua sustentação, concorrendo deslealmente com as produtoras privadas que tinham o aluguel das fitas como sua fonte de renda” (ALMEIDA, 1999b, p.127).

Como apontaremos mais adiante, a união entre educadores e os “homens de cinema”, vai além da conquista das verbas governamentais para a produção cinematográfica nacional. Nossa opinião é de que havia uma comunhão de interesses sim, mas também compartilhavam as concepções em torno da necessidade da educação do povo brasileiro. Do ponto de vista do cinema, os propósitos dos educadores serviram também para educar o cinema e formar o
público de cinema.

A bibliografia aqui estudada e que aborda a relação entre o Estado e o
cinema no Brasil traz grandes contribuições a respeito da implementação do cinema educativo no Brasil, mas acaba por identificar principalmente a ideologia do Estado Novo para este uso do cinema. A partir das relações que se estabeleceram entre o cinema educativo e o Estado Novo, a historiografia que fez referências ao cinema educativo, muitas vezes, atrelou esta produção exclusivamente às fronteiras ideológicas presentes na era Vargas. Comumente associou-se às iniciativas de formação de um cinema educativo primordialmente à formação do INCE, em 1937, sem fazer referências aos trabalhos que pensavam a relação entre cinema e educação desde a década de 1910. Associou também todo o movimento em torno da construção de um cinema educativo, a um uso de propaganda oficial ou de coerção nos moldes do que foi realizado na Alemanha, pelo Ministério de Propaganda, criado em 1933 e dirigido por Joseph Goebbels, ou na Itália, pelo Instituto de Cinematografia ou Instituto LUCE, criado em 1924. A relação entre o cinema educativo brasileiro e o italiano vem sendo analisada, mais recentemente, por Cristina Souza da Rosa (2005), que realiza um estudo comparativo entre os dois Institutos de cinema: o INCE do Estado Novo de Vargas e o LUCE do fascismo de Mussolini. Segundo Rosa o LUCE tinha a missão de divulgar a cultura italiana e tornou-se exemplo de cinema educativo em todo o mundo. Para Rosa (2005), o Estado Novo tanto quanto o fascismo italiano tinham a necessidade de formular um novo homem, papel este atribuído ao cinema.

Entretanto, a necessidade de se repensar a presença do cinema educativo de forma bastante atuante na década de 1920, marcada também pelas ideologias liberais de utilização dos meios de comunicação de massa, utilização esta formulada a partir das teorias americanas advindas da filosofia do pragmatismo, preconizadas por John Dewey (1859-1952), um dos teóricos que exerceram influência no movimento da Escola Nova. Há de se considerar ainda as experiências que vinham sendo feitas na França, com a realização de filmes de ensino e a produção de uma literatura sobre o tema, por homens ligados ao
cinema e ao ensino, tais como: Jean Benoit-Levy, que exerceu diversas atividades vinculadas ao uso do cinema no ensino e o cinema documentário; Jean Maré, fundador da liga de ensino na França; G.M. Coissac, fundador da Revista Cinèopse, citada com freqüência pelos educadores brasileiros.

Há ainda outras análises que apontam para uma disputa pela utilização do cinema entre os diversos grupos sociais atuantes no início do século XX e não como uma proposta de caráter unicamente estatal. É o caso da Igreja Católica que teve várias ações no sentido de promover um cinema no âmbito de seus princípios, conforme a dissertação de Maria Lucia Morrone (1997), na qual ela analisa as relações entre os setores educacionais, católicos e oficiais com o cinema. Almeida (2002) também analisou a relação da Igreja Católica com os meios de comunicação de massa, a partir dos grupos católicos ligados à Ordem
Franciscana, investigando a utilização que fizeram da imprensa e do cinema.

Outro grupo com propostas de utilização do cinema, desde a década de 1910, para fins educativos, são os anarquistas que constituem o objeto de estudo de Cristina Aparecida R. Figueira (2003), em que é analisado o debate anarquista em torno dos usos do cinema. Para este grupo o cinema deveria estar a serviço da educação do homem do povo, numa perspectiva revolucionária de transformação social, transformando-se em “arte revolucionária”. Figueira afirma que os anarquistas desenvolveram uma intensa reflexão sobre o cinema, em periódicos como A Lanterna (1901-1914) e A Plebe (1917-1921), fontes de seu estudo. O objetivo da autora foi entrecruzar o debate anarquista com os dos
adeptos da Escola Nova".

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Fonte:
Rosana Elisa Catelli: "Dos “naturais” ao documentário: o cinema educativo e a educação do cinema entre os anos de 1920 e 1930".(Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Artes, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutor em Multimeios. Orientador: Prof. Dr. Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos). Campinas, 2007.

Nota
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A imagem (Revista "A Cigarra") inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Disponível digitalmente no site: Domínio Público