Eu li isso...

"A ingratidão de Darwin"


"Provavelmente, apenas os psicólogos poderiam explicar por que Charles Darwin, nascido em 1809, mostrou-se tão relutante em reconhecer as idéias de seu próprio avô. Em sua Autobiografia, Charles excede-se em elogios a George Lyell, cuja obra Principies of Geology teve grande influência sobre suas idéias e era levada por ele nas viagens com o Beagle. Entre outras coisas, ele diz: “A ciência da geologia deve muito a Lyell — mais ainda, acredito, que a qualquer outro homem que já tenha vivido.” Quanto a seu avô, entretanto, sabemos que, enquanto cursava a Universidade de Edimburgo, Charles estudou atentamente a Zoonomia. Ainda assim, a única coisa que ele tem a dizer sobre esta na Autobiografia vem de uma conversa com Robert Grant, conferencista em Edimburgo que tentou converter Charles às visões de Lamarck e Erasmus. “Escutei em silenciosa perplexidade e, tanto quanto possa julgar, sem qualquer efeito sobre meu intelecto. Eu já havia lido a Zoonomia, de meu avô, na qual são apresentadas visões semelhantes, mas sem produzirem qualquer efeito sobre mim. Ainda assim, é provável que, por ouvir tão cedo na vida tais opiniões mantidas e aclamadas, eu as tenha apresentado com forma diferente em meu texto de A Origem das Espécies. Na época, admirei imensamente Zoonomia; contudo, ao ler a obra uma segunda vez após um intervalo de dez ou quinze anos, senti-me bastante desapontado; a proporção de especulação era grande demais em relação aos fatos apresentados.”

Tudo isso parece um pouco freudiano. Em sua defesa, Charles e seus partidários sempre fizeram grandes esforços para apontar que Erasmus era um teórico fantasioso e Charles, um observador meticuloso. “Vejo a tendência para generalizar como um mal absoluto”, Charles escreveu, certa vez, a seu amigo íntimo, o botânico Joseph D. Hooker. Na verdade, talvez a principal razão para A Origem das Espécies ocupar sua posição merecida entre os melhores e mais influentes livros é que abunda de fatos e observações. Ainda assim, a obra também está repleta de centenas de nomes. Nenhum deles é o de Erasmus. Os críticos não esperaram que Freud interpretasse isso como um deslize significativo. Bishop Wilberforce e outros rebateram imediatamente. Darwin tentou consertar seu erro, escrevendo um “Esboço Histórico” em 1861, mas mencionou Erasmus apenas em uma nota de rodapé, e, mesmo assim, apenas para desmerecê-lo: “É curioso o grau em que meu avô, Dr. Erasmus Darwin, antecipou a base incorreta das opiniões e visões de Lamarck.”

Posteriorniente, aos setenta anos, Charles mudou de idéia e decidiu escrever uma biografia de seu avô. Consciência pesada? Provavelmente. O tiro, porém, saiu pela culatra. Charles escreveu um livro curto, permitindo que fosse publicado como um prefácio de cento e vinte e sete páginas para um ensaio de oitenta e seis páginas sobre Erasmus escrito pelo Dr. Ernst Krause, da Alemanha. E isso detonou uma explosão.

Samuel Butier, que logo se tornaria autor de Erewhon, era um velho amigo de Darwin, que caiu sob o encantamento de A Origem das Espécies tão logo o livro chegou à Nova Zelândia. Depois, Butier descobriu Erasmus, Lamarck e Buffon, dando preferência a este último. Daí por diante, Butler iniciou um ataque incessante a Charles, afirmando que este surrupiara as idéias de seu avô e afirmando, também, que, como resultado desse furto, Charles excluíra trinta e seis referências a “minha teoria” (isto é, à teoria de Charles) de edições subseqüentes da Origem. Parece que foi isso mesmo. Um dos livros de Butier, Evoiution Oid and New, foi publicado em 1879, entre a publicação do ensaio original em alemão de Krause no periódico Kosmos e o lançamento da edição em inglês” (p. 272, 273).

É isso!


Fonte:
"Tudo é Relativo: e Outras Fábulas da Ciência e Tecnologia". Tradução: Dayse Batista. Editora Difel. Rio de janeiro, 2005.

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